A Lágrima De Todos Os Olhos

Não, não quero que chorem por mim
Um sorriso há de ser sempre o melhor afago
Não me incomoda essa voz zombeteira que povoa os corredores
A ausência dela, isto sim, me incomodaria
Pois se já não pudesse ouvi-la, a noite me seria ingrata
Já que o silêncio me privaria do deleite de saber
Que sou eu e não ela quem realmente incomoda
Não, não quero que chorem por mim
Basta que me ofereçam um brinde a qualquer tempo
Que há de calar, no âmago do peito
O lamento de não estar aqui pra celebrar
E que haja ainda uma salva de palmas
Não pelo que fui, mas pelo que me neguei a ser
Não quero que chorem por mim
Mas que cada um apanhe para si uma estrela
Pois um terço delas eu mesmo cultivei
Quando os meus sonhos eram pouco mais
Que o esboço desta obra inacabada e órfã
Quando havia ainda uma fragrância de pureza
Percorrendo os pátios de minha Alma
Não, não quero que chorem por mim
Não me lembro de ter feito algo tão execrável
Que mereça tamanha afronta
Bem, talvez eu tenha chegado bem perto disso
Embriagado de minhas próprias más intenções
Que me perdoem pois àqueles
Que estão à margem desta ciranda
Aos demais não devo nada, pois foram cúmplices
Uns mais dedicados que os outros, mas todos
Todos, sem exceção, fiéis comparsas
Sem os quais não teria cometido crimes tão perfeitos
Estes certamente não haverão de chorar quando eu me for
Pois estarão entretidos com os ensaios das gargalhadas
Que haveremos de compartilhar quando exausto
De buscar na distância o que tanto me falta
E do que somente vejo a sombra
Eu me der conta enfim que nunca deveria ter partido
Levando comigo a lágrima de todos os olhos
Que até aqui me serviram de espelho
E que me deixam envaidecido de saber o quanto fui
O quanto sou e o quanto serei benvindo
Aonde quer que eu vá, aonde quer que eu esteja
E não consigo pensar em melhor recompensa

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